sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A resposta das crianças à separação

por Soluções para noites sem choro

Em 1950, as Nações Unidas encarregaram John Bowlby de fazer um estudo sobre as necessidades das crianças órfãs. O resultado do seu trabalho deu origem a um livro (16) que analisa o efeito da separação nas crianças, sobretudo a partir da observação de crianças internadas em hospitais e das crianças de Londres que, durante a guerra, foram separadas dos seus pais e evacuadas para o campo a fim de escaparem dos bombardeamentos.
Entre os efeitos que a separação tem a curto prazo, é frequente que as crianças apresentem algumas das seguintes reações:
  • Quando a mãe retorna, a criança fica brava com ela ou recusa-se a cumprimentá-la, como se não a visse.
  • A criança mostra-se muito exigente com a mãe ou com as pessoas que cuidam dela: pede atenção a todo o momento, quer que tudo seja feito à sua maneira, tem ataques de ciúmes e grandes birras.
  • Relaciona-se com qualquer adulto que esteja perto, de forma superficial, mas aparentemente alegre.
  • Apatia, perda de interesse pelas coisas, movimentos rítmicos (como se embalando a si próprio), por vezes dando pancadas com a cabeça.
Em alguns casos, esses movimentos rítmicos e pancadas com a cabeça podem ser normais. Como explica o dr. Ferber (grande defensor de ensinar as crianças a dormir deixando-as chorar um minuto, três ou quatro...No resto do mundo é chamado o “método Ferber” ao que na Espanha se chama “método Estivill” e no Brasil “método do choro”):
 
Muitas crianças entregam-se a algum tipo de comportamento rítmico e repetitivo na hora de irem para a cama, quando acordam durante a noite ou de manhã. Colocam-se em posição de engatinhar, abanam a cabeça de um lado para o outro, batem com a cabeça contra a cabeceira da cama ou deixam-na cair repetidamente sobre a almofada ou o colchão. À noite, este comportamento pode repetir-se até adormecerem e, de manhã, pode persistir até que estejam completamente despertos. [...] Quando os comportamentos rítmicos começam antes dos dezoito meses e desaparecem na sua maioria antes dos três ou quatro anos não são normalmente sintoma de problemas emocionais. Na maior parte dos casos, as crianças com estes hábitos são felizes e saudáveis e, nas famílias não se adivinha qualquer problema ou tensão.
 
Chama a atenção a ambiguidade no momento de decidir o que é ou não um comportamento normal.
- A minha filha acorda no meio da noite...
- Claro que chora e chama os pais. O que tem sua filha é insônia infantil devido aos maus hábitos aprendidos; é uma alteração do sono que, se não for curada a tempo, pode provocar graves sequelas psicológicas.
- Não, o senhor não me compreendeu bem, doutor. A minha filha acorda, mas não chora nem chama ninguém, apenas bate com a cabeça na parede.
- Ah! Bom! Devia ter começado por aí. Se ela só bate a cabeça, é absolutamente normal e não há porque preocupar-se.
Voltando a Bowlby, recorda-nos que algumas das mais graves alterações observadas em crianças separadas das mães, em orfanatos e hospitais, dão a falsa sensação de que tudo está correndo bem:
 
É necessário fazer uma advertência especial sobre as crianças que respondem com apatia ou com um comportamento alegre e indiscriminadamente amistoso, uma vez que as pessoas que ignoram os princípios da saúde mental podem ser enganadas. Estas crianças podem ser tranquilas, obedientes, fáceis de levar, bem-educadas, arrumadas e estar fisicamente saudáveis, muitas delas, inclusive, parecem estar felizes. Enquanto permanecerem na instituição, não existe motivo aparente de preocupação, mas quando a deixam, quebram e é evidente que a sua adaptação era superficial e não tinha como base um verdadeiro crescimento da personalidade.
 
Poucas crianças, felizmente, permanecem numa instituição (hospital ou orfanato). No entanto, muitas se vêem separadas das mães repetidamente, durante algumas horas, todos os dias. O efeito não é tão devastador, claro, mas existem semelhanças. Há crianças que parecem “tranqüilas, obedientes e mesmo felizes” nos berçários e escolinhas, mas que começam a chorar desesperadamente quando saem dele. Ou que parecem adaptar-se muito bem a dormir sozinhas todas as noites, mas que “quebram” quando se abre uma brecha no seu isolamento.
 
Bastará que uma só vez que vocês façam o que a criança pedir – água, uma canção, dar-lhe a mão um pouquinho, um abraço...- para que vocês percam o jogo: tudo aquilo que haviam conseguido [ensinado a criança a dormir sozinha] vai ser perdido.
 
As consequências mais graves produzem-se depois de separações longas, de vários dias. Mas também as separações breves têm o seu efeito: inclusive o método usado pelos psicólogos para comprovar se a relação entre mãe e filho é normal é o “teste da situação desconhecida”, na qual se observa como reage uma criança de um ano quando a mãe se ausenta do cômodo e volta três minutos depois.
Os efeitos da separação são cada vez menos graves à medida que a idade da criança aumenta como nos recorda Bowlby.
 
Embora existam razões para acreditar que todas as crianças menores de três anos, e muitas das que têm entre três e cinco anos, sofrem com a privação, no caso das crianças com idades entre os cinco e os oito anos são apenas uma minoria, e surge a pergunta: por que razão umas são afetadas e outras não?
 
Pois bem, esse fator que faz com que algumas crianças suportem a separação melhor do que outras é, segundo Bowlby, a relação prévia com a mãe. Uma relação que tem efeitos aparentemente contrários segundo a idade.
Nas menores de três anos, quanto melhor era a relação com a mãe, mais se alterava o comportamento da criança depois da separação. As crianças que já eram maltratadas ou ignoradas em sua casa, pouco choravam ao serem levadas para um orfanato ou hospital. Mas isso não significa que tolerem melhor a perda, mas que já não têm quase nada a perder. Não tem a reação normal de uma criança da sua idade.
Pelo contrário, em crianças com idades compreendidas entre os cinco e os oito anos de idade, aquelas que tiveram uma relação mais sólida com a mãe, as que recebiam mais carinho e passavam mais tempo no colo são as que melhor suportam a separação. O estreito contato nos primeiros anos deu-lhes a força necessária para suportar as adversidades, o que atualmente os psicólogos conhecem por resiliência. Charles Dickens explicou-o muito bem há já século e meio:
 
Viu os que tinham sido cuidados com delicadeza e criados com ternura manterem-se alegres perante as privações e superar os sofrimentos que teriam desfeito muitos de uma madeira mais grosseira, porque tinham no seu íntimo os fundamentos da felicidade, da satisfação e da paz.
Cartas Póstumas do Clube Pickwick
 
Bowlby afirma que a relação, o vínculo afetivo que se estabelece entre uma mãe e filho, é o modelo para todas as relações afetivas que o indivíduo estabelecerá durante o resto da vida. A relação com a mãe estende-se depois ao pai, aos irmãos e a outros familiares: aos amigos, colegas e professores, ao próprio casal e aos filhos. Chegou a esta conclusão partindo, não como muitos outros psiquiatras, do estudo do adulto e das suas tênues recordações de infância, mas da observação das crianças e das crias de outras espécies.
Muitos comportamentos que, nas crianças, se atribuem alegremente a “manha”, “teatro” ou “má-criação” são aceitos como legítimos quando levados a cabo por um adulto. Devemos deixar claro, no entanto, que estas analogias são puramente didáticas: o que sabemos sobre o comportamento das crianças não foi averiguado a partir da observação de adultos e de deduções, mas da observação direta de crianças.
Imagine, que num domingo, que você e seu marido se encontram em casa. Mexendo cada um nas suas coisas, cruzam-se uma dezena de vezes. Vocês param um diante do outro, se cumprimentam, se abraçam? Claro que não. A maior parte das vezes cruzam-se sem se olhar, sem dizer uma palavra.
Agora, o seu marido sai para comprar a sobremesa. Não diz “tchau” quando sai nem “cheguei” quando entra? Como passou quinze minutos fora de casa, é possível que você nem mesmo vá a porta para recebê-lo, continuando com o que está fazendo e dizendo “oi” de longe.
No dia seguinte, o seu marido volta do trabalho. Esteve nove horas fora de casa. Você não vai até a porta esperá-lo? Não lhe dá um beijo (e espera correspondência)? Não é um pouco mais elaborada no seu ritual, quando o saúda? Algo como:
- Oi, amor.
- Oi.
- Como foi o seu dia?
- Bem.
Neste momento, o marido comum se escapa e vai ver tv. Durante os primeiros meses de casados, você esperava por uma resposta mais longa. Mas, por esta altura, já entendeu que os homens são assim mesmo e que é preciso aceita-lo.
Imagine agora que o seu marido vai a Nova York por uma semana em viagem de negócios. Na volta, desenvolve-se a cena habitual:
- Oi, amor.
- Oi.
- Foi tudo bem?
- Sim.
E vai ver televisão... Como você reage? Vai permitir que isso aconteça?
- Como assim? Conta alguma coisa! O que você fez? O que viu? O que comeu? Subiu o Empire State? O que comprou para mim? Será possível passar uma semana em Nova York e não ter nada para contar? Dá um beijo! Você não me ama mais?
A separação de duas pessoas unidas por um vínculo afetivo produz inquietação em ambas. Para voltarem a tranquilizar-se necessitam de contato físico e verbal especial, contato que será tanto maior e mais completo quanto maior tiver sido a separação. Se uma das pessoas nega esse contato tranquilizador, a outra poderá responder com maior inquietação e às vezes com hostilidade.
No primeiro exemplo, cruzar-se no corredor quando estão ambos em casa não requer um contato especial, porque nem sequer existiu uma separação Estavam os dois em casa e, por isso, estavam “juntos”.
Contudo, entre um bebê e os pais, as coisas mudam. Ir para outro quarto representa uma separação para a criança, porque não sabe para onde a mãe foi. Demorará alguns anos para compreender que a mãe está no quarto ao lado e que, por isso, não foi embora. E a escala é diferente: uns minutos representam, para o seu filho, várias horas, umas horas parecem-lhe dias ou meses e uns metros parecem quilômetros.
Compreende agora por que razão o seu filho começa a chorar quando você sai do quarto, porque razão quando você vai trabalhar ou quando esteve no hospital ele lhe pede mais abraços e mais atenção, por que razão, quando sai da escolinha, insiste em contar-lhe tudo o que fez ou pede que você lhe compre doces?
Às vezes as crianças pedem guloseimas e brinquedos para “chamar a atenção”. Se, à saída do colégio, os pais não mostram interesse suficiente pelas suas explicações, se ficam impacientes com suas histórias, se o corrigem continuamente em vez de escutarem pacientemente, se lhe dão poucos beijos e abraços, se se recusam levá-lo ao colo ou mesmo se o cumprimentam com hostilidade “que mãos mais sujas! Olha o que você fez com a calça nova!”, a criança provavelmente vai pedir tudo o que vir na primeira vitrine que encontre. Ela está pedindo uma prova de amor. Uma prova de amor falsa, porque o amor verdadeiro demonstra-se com respeito, contato e compreensão e não com objetos e guloseimas.
Para os pais, este carinho falso que consiste na acumulação de bens materiais pode ser muito atraente. Tempo é dinheiro, mas existem apenas vinte e quatro horas por dia. Se tiver dinheiro suficiente do outro, pode ser mais barato comprar uma boneca que fala para a sua filha do que brincar com ela durante uma hora por dia com uma boneca normal. E assim, gradualmente, vamos “educando mal” a criança: isto é ensinando-lhe a dar mais importância às coisas materiais do que aos seres humanos. Não é a simples acumulação de riqueza que produz a má educação: as crianças ricas têm sempre mais coisas do que as pobres e, contudo há pobres mal-educados e ricos que não o são. “Educar mal” significa “criar mal”, isto é, com pouco carinho, poucos abraços, pouco respeito, poucos mimos. É impossível educar mal uma criança por lhe dar muita atenção, muito colo, consolá-la quando chora muito ou brincar muito com ela.
Dizíamos que, no domingo, quando se cruzam no corredor, não necessitam se cumprimentar porque não houve separação. Mas, se um casal passa um domingo inteiro sem dirigir a palavra um ao outro, sem dar um beijo ou um abraço, não pensaria o leitor que estão à beira do divórcio? Mesmo sem se separarem, duas pessoas unidas por um vínculo afetivo necessitam fazer algo juntas de vez em quando. Se você se esquecer, o seu filho irá recordá-lo.
Bésame mucho - Ed. Pergaminho - Carlos González