sábado, 13 de abril de 2013

Primeiros Cuidados - Está chegando a hora delas



Até há pouco tempo, recém-nascidos tomavam água nas “chuquinhas”, o sal fazia parte da dieta dos bebês, best-sellers para pais de primeira viagem receitavam banana amassada com três colheres de sopa de açúcar para filhos de poucos meses e dava-se chazinho aos pequenos. Todas essas prescrições já foram superadas. Agora, outro hábito muito comum começa a ser deixado de lado nas recomendações de pediatras e puericulturistas: a mamadeira.

Após o seio da mãe, os bebês devem ir direto para o copo, segundo os especialistas em amamentação e alimentação infantil. Para eles, a mamadeira é um hábito cultural que precisa ser superado. “Pode parecer radical ser totalmente contrário à mamadeira e não recomendá-la em momento algum da vida da criança”, reconhece o pediatra e puericulturista Marcus Renato de Carvalho, professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e editor do site Aleitamento.com. “Mas esse conhecimento é resultado da evolução da ciência”, completa.

“A mamadeira é um equívoco e só é usada porque falta informação e bons serviços de saúde em hospitais, postos de saúde e consultórios”, concorda o também professor José Martins Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da Academia Brasileira de Pediatria e autor do livro Como e por que Amamentar (Editora Sarvier).
Para os pais que já apresentaram a mamadeira aos filhos, nada de pânico. É possível mudar o hábito e migrar para os copos com tranquilidade (leia quadro na página 33). “Se, por exemplo, uma criança foi amamentada exclusivamente no seio até os seis meses e usou mamadeira para consumir água e sucos por um ano depois disso, os pais não precisam sentir culpa. Muito provavelmente, nenhum dano foi causado. Mas não há necessidade de oferecer algo que pode trazer prejuízos. Aos seis meses, a criança pode ir direto para o copo”, diz Carvalho.


confusão de bicos A moderna orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é alimentar o bebê exclusivamente com leite materno, preferencialmente no seio e sem necessidade de qualquer outro complemento, até os seis meses de idade – quando começam, então, a serem dadas as papinhas de legumes e frutas, depois os demais grupos alimentares, com continuação do aleitamento materno até os dois anos.

No primeiro semestre de vida do bebê, portanto, o uso da mamadeira deve ser evitado ao máximo. “É preciso que os pediatras, obstetras, enfermeiras, enfim, todas as pessoas que lidam com mães e crianças defendam, antes de tudo, o aleitamento materno”, afirma Martins Filho.

O principal problema do acessório reside no que se costuma chamar de “confusão de bicos”. Assim que nasce, o bebê tem os reflexos de sugar e deglutir que lhe permitem uma pega correta do seio, que envolve o mamilo e a aréola. Numa boa pega, a língua fica por baixo (no assoalho da cavidade oral), para pressionar o osso do céu da boca, formando um movimento ritmado, como uma onda.
Assim, ele consegue ordenhar os ductos, esvaziando os seios e satisfazendo-se.

Ao ser apresentado ao bico artificial da mamadeira – e também ao das chupetas –, a criança passa a posicionar erroneamente a língua na hora de sugar o peito materno, o que pode levar ao desmame precoce. Na posição errada, o recém-nascido só abocanha o mamilo, não conseguindo esvaziar os seios, o que causa fome, choro e insatisfação ao bebê, e dor, rachaduras e tensão à mãe. 

Com o bico artificial, o movimento é mais passivo: usam-se os músculos das bochechas e de abertura da mandíbula para chupar o líquido por meio do vácuo. A língua fica no fundo da boca, apenas controlando o excesso de fluxo. Com a facilidade, a criança tende a preferir a mamadeira ao seio. E, de acordo com o Ministério da Saúde, os números pedem alerta: mais de 62% dos bebês com menos de um ano já consomem líquidos via mamadeira.

“O aleitamento materno deve ser sempre estimulado porque, além de dar ao bebê substâncias fundamentais para o seu desenvolvimento físico e emocional, protege a própria mãe contra câncer de mama, diabetes, hipertensão arterial e obesidade”, afirma Martins Filho. Entre outras coisas, o leite materno previne diarreias e pneumonias, que estão entre as mais importantes causas de mortalidade infantil de crianças com menos de 1 ano de idade.


obesidade O problema não é só o risco de desmame precoce. Estudos vêm relacionando cada vez mais a utilização das mamadeiras à obesidade infantil e ao aparecimento de cáries.

Pais e mães oferecem o acessório aos filhos como consolo a choros e manhas ou como uma medida tranquilizante na hora de dormir – tal como se faz com o seio materno, aliás. E aí reside o erro. Geralmente, as mamadeiras contêm fórmulas hipercalóricas, que, consumidas diversas vezes por dia, favorecem o ganho de peso.

Além disso, comumente o choro por sede é confundido com o de fome, o que aumenta a ingestão de calorias desnecessárias. “A mamadeira não é exatamente a ‘vilã’ da obesidade infantil e das cáries. Este posto cabe, sim, às fórmulas ou ao leite de vaca que ela contém”, aponta Martins Filho.

Em um estudo publicado em maio de 2011, pesquisadores da Universidade Ohio State e da Universidade Temple, dos Estados Unidos, constataram que 22,3% das crianças norte-americanas fazem uso prolongado da mamadeira – ou seja, utilizam-na além dos 2 anos de idade como principal forma de ingestão de líquidos e têm o hábito de dormir sugando o bico artificial. Dentre as que abandonaram a mamadeira antes dos 2 anos, 16,1% foram consideradas obesas aos 5 anos e meio. Já no grupo das que ainda a usavam, esse índice subiu para 22,9%.

Uma única mamadeira pode suprir grande parcela da necessidade diária de calorias de uma criança, segundo os pesquisadores. Por exemplo, uma menina de dois anos, com 12 quilos e 86 centímetros de altura, ao tomar uma mamadeira de leite integral de 220 gramas recebe 12% de suas necessidades diárias de calorias (cerca de 1.300).
“Se a criança está estressada, damos mamadeira. Com isso, fazemos uma associação direta do estresse com o prazer oral. Isso pode resultar em adultos com problemas de compulsão por comida, bebida e cigarro”, afirma Carvalho. A solução, diz ele, é usar e abusar do colo: “A atenção dos pais é muito mais eficaz e não causa nenhum dano”.


cáries Em relação às cáries, a situação é agravada pela oferta noturna de mamadeira, quando os pais geralmente dispensam a higienização dos dentes. Só que, ao longo da noite, o corpo produz menos saliva, favorecendo a proliferação de bactérias. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 11,7% das crianças de até 2 anos têm cárie decorrente do uso dos bicos artificiais.

Os dentes, a língua e as gengivas dos bebês precisam ser limpos após cada mamada ou ingestão de alimento. Isso pode ser feito com uma fralda, gaze ou cotonete umedecidos em uma solução contendo uma colher de sopa de água oxigenada, dissolvida em três colheres de água fervida. Após a erupção dos molares (aqueles dentes mais ao fundo da mandíbula, usados para mastigar), pode-se recorrer às escovas dentárias.

Tomar mamadeira por muito tempo, assim como usar chupeta, pode causar alterações na formação da arcada dentária e da cavidade nasal, com prejuízos à saúde no longo prazo (rinite, sinusite e síndrome do respirador bucal – uma alteração na passagem do fluxo aéreo, que segue pela boca em vez de pelo nariz).
Vale lembrar que, além de tudo, os bicos artificiais são uma grande fonte de contaminação. Por isso, precisam ser lavados e esterilizados imediatamente após seu uso, para evitar a formação de colônias de bactérias. 



Ajude seu filho a migrar para o copo

Não existe técnica infalível. Mas uma das dicas que costumam funcionar para a maioria das crianças é fazer com que a vontade de largar a mamadeira surja por meio do exemplo – seja dos familiares, seja de outras crianças da escola.

“É comum que na escola tenha uma criança que largou a mamadeira de maneira rápida e outra que ainda usa. O convívio de ambas acaba por estimular aquela que ainda não abandonou a mamadeira a começar a usar um copo ou uma caneca”, exemplifica o pediatra Luiz Carlos Bueno, das unidades do Hospital São Luiz no Itaim Bibi e Anália Franco. “Há nessa ação uma vontade implícita da criança de crescer”, aponta. Ele recomenda que os pais tenham paciência e respeitem o tempo do filho.

“Começar a mudar gradativamente os hábitos de alimentação da criança também pode ajudar”, comenta Bueno. Depois da fase de aleitamento materno exclusivo, podem-se introduzir frutas e, numa etapa posterior, alimentos com sal. “Se a mãe passa a incentivar mais o consumo desses itens, é mais fácil para a criança abandonar a mamadeira”, afirma.

Nas poucas situações em que o aleitamento materno é impossível (mães portadoras de HIV ou que tomam medicamento que contraindicam a amamentação, bebês prematuros ou muito abaixo do peso), às vezes usa-se um copo especial (chamado copinho do bebê), com borda virada para fora, anatômica à boca do recém-nascido e feito em vidro, fácil de limpar e esterilizar.

Para crianças mais velhas, há os copos de transição (com tampa e alça) ou mesmo os copos e xícaras comuns – neste caso, é importante que haja sempre um adulto acompanhando a alimentação, para evitar acidentes.