quinta-feira, 31 de março de 2016

Para o medo não há vacina

Sentimo-nos presos numa guerra de informação. Ou numa epidemia de notícias alarmantes. 

Para além das evidências científicas sobre a dengue ou chikungunha, além dos números crescentes de zyca e suas preocupantes conseqüências, além da próxima temporada de H1N1 há uma outra doença de que pouco se fala.

A doença do medo.

E essa é daquelas fabricadas em laboratório, o medo mutante, o medo provocado, o medo que se espalhou fora de controle.

Vamos encarar essa doença contemporânea de frente? 

Não há dúvidas de que vivemos tempos estranhos. E não há dúvidas do ponto de vista científico de que estamos de frente à epidemias preocupantes na área da saúde, e preocupantes para pessoas específicas, como sempre, os vulneráveis. Crianças, mulheres , idosos e os fortemente suscetíveis ao medo.

Ironicamente nosso momento social também sinaliza retrocesso em direitos exatamente para esses grupos. E a doença do medo, que adora terrenos insólitos e inseguros, se alastra por dentro de nós.

Como o combateremos de modo que não nos derrube, antes o medo do que qualquer outro vírus ou grande acontecimento social?




Para o medo não há vacina. Há prática diária.

Como uma boa higiene nas mãos diminui as possibilidades de contágio de gripes, o medo foge de atitudes otimistas. Esfregue com sabão hoje mesmo os rancores e olhe positivamente para o dia que nasce todos-os-dias, independente do caos instalado em nossas vidas cotidianas. 

Alimentar-se corretamente, com escolhas espertas e foco nas vitaminas, combate tanto o medo quanto qualquer outra depressão imunológica. Nutrir-se de alma e corpo, confiança e inhame, vai nos deixar mais sadios. Nenhum estudo científico vai provar essa tese, mas não há, igualmente, efeito colateral comprovado. 

Não frequentar lugares fechados, sem vento, sem janela, pode ser uma boa ideia para quem quer fugir de gripes. Não frequentar televisões, internet e grupos de WhatsApp disseminando pânico também pode proteger a mente e o coração de todos nós do medo.

Que possamos escolher lugares seguros, onde as doenças não nos atinjam, que possamos fortalecer nosso corpo e mente, de modo a lidar com elas caso venham. 

Que sejamos íntegros frente ao medo: seja com nossos filhos, seja com nosso país.

E que ampliemos diariamente nossa consciência de que o contexto em que vivemos pode ser apavorante, mas pode ser também uma possibilidade imensa de crescimento para todos.

terça-feira, 22 de março de 2016

Sim e Não: limites e relação

O bebê nasce e os palpites nascem juntos:

- Cuidado com o colo!
- Vai ficar viciado em colo e mimado para o resto da vida!

Dá-se o peito e ouvimos:
- Está mamando de novo ? 
- Não pode ser fome!!

Mas se o bebê chorar no colo de alguém é prontamente devolvido:

- Deve estar com fome.
- Cadê a chupeta desta criança?

Se dorme junto com os pais, aí tá lascado:

-Vai ficar mal acostumado e nunca vai sair da sua cama. Melhor não. 

Como bons pais estaremos sempre questionando: quando permitir e quando negar? Quando é sim e quando é não? 

Dizer SIM para os nossos filhos muitas vezes parece agredir adultos condicionados a ouvir NÃO nas suas próprias vidas.

Na lógica de educação vigente, muitos NÃOS seriam a fórmula secreta de melhorar esses pequenos projetos de nós mesmos, enquanto a mal educação mora em dizer sim para tudo. 

Mas sabemos que essa conversa se trata (SIM!!) de aprender a respeitar o outro mas acima de tudo, a descobrir seus próprios limites e superar dificuldades. Muito mais do que "bem educar" ou "mal educar" transitar amorosamente entre sim e não é um exercício de cultivar boas relações consigo mesmo e com o entorno. 



Num mundo em que o bebê nasce e cresce ouvindo NÃO exclusivamente como sinalizador de limites (e é dos pais a tarefa única de ser o porta voz dessa ação) essa oportunidade fica prejudicada. Negar a necessidade do outro é também demolir a noção de limites de sobre si mesmo. 

Como ele aprenderá a respeitar o meu NÃO se não conhece o meu SIM? E mais: como conhecerá seus próprios limites, se atua pelos meus? 

Queremos amorosamente criar filhos menos esgoístas e mais sensíveis às necessidades dos outros. Queremos educá-los para o respeito ao não do outro, mas com garantia de que viverão o SIM também para seus desejos. 

Só conseguiremos isto através das relações amorosas (conosco e com o outro).

Olhar para os limites como algo inseparável das relações humanas: esse é o caminho para conviver bem com diálogo entre sim e não, entre eu e você, entre nós e o mundo. 



quarta-feira, 16 de março de 2016

Papel de pai

Vamos direto ao ponto:  se uma pessoa nunca estará plenamente preparada para ser mãe, também não está para ser pai.

Não é difícil achar um homem que só se depara com uma fralda depois do momento que tem filhos. Muitos sequer tiveram um bebe no colo alguma vez na vida. Um recém nascido parece um ser de outra galáxia para a maioria.

Esse cenário é mais raro de encontrar no caso das mulheres, cuja socialização para a maternidade acontece desde cedo. A cultura em torno do ser mãe coloca homens e mulheres que escolhem ter filhos, muitas vezes, em lugar de desigualdade. Que não é boa para nenhum dos dois. 

Ainda que essa seja uma área que necessite de muito debate - acerca das liberdades de escolha da mulher e toda a opressão que a socialização pode oferecer para as mulheres principalmente - olhamos hoje para o homem. O papel do pai na construção das novas famílias. O significado que este homem dará a sua nova condição de pai.

Inclusive como uma forma de propor o inevitável confronto: quantos pais conhecemos que literalmente passaram a vida sem nunca ter sido o cuidador principal de seus próprios filhos?  Alguns até que não participaram dos cuidados e da educação de seus filhos.

É evidente que para uma fatia - ainda tímida, mas expressiva - da paternidade, esse lugar de afastamento dos cuidados básicos, provisão de recursos financeiros  e último recurso na hora da "disciplina" não serve mais.

Pai não é mais ajudante de mãe.
Mas há um papel para ele definido? 
Ele sabe que papel pode ocupar ?

A nova geração de homens que tem filhos está procurando espaços de participação ativa, reflexão e empoderamento. Saber que não esta sozinho e que outros homens estão nesta mesma situação já e tranquilizador. Alguns homens sentem-se muito solitários ao se tornarem pais e não tem onde compartilhar suas angústias. 

No último fim de semana nos reunimos com  pais - para abrir esse debate. 




Por iniciativa dos queridos Rodrigo Bueno e Victor Farat (autores do livro Bebegrafia) realizamos um encontro com a presença de mais de 30 pais.




Como uma forma de mediar o debate, formaram-se grupos de discussão a respeito das nossas heranças, nossos medos e nossos desafios e alegrias.


Vocês acreditam que o grupo sobre alegrias não se formou no início? 
Evidenciou de imediato o quão importantes são as outras questões. 


Falou-se das historias de cada um como filhos. Do desafio de romper com modelos. Das dúvidas em se tornar um homem doméstico. Das dificuldades de administrar isso tudo em parceria com sua mulher. De como lidar com o choro sem ter peito. De uma infinidade de situações difíceis que passamos a viver a partir do nascimento de um filho.


Não era nosso objetivo definir o que é paternidade, mas perceber que o grande desafio está dentro de cada um, em seus múltiplos contextos. 

Ficou claro para mim que passamos por um turbilhão de emoções que expõe as magoas que cada um traz da sua história pessoal de ser filho. E que poder reconhecer estas mágoas nos aproxima de curá-las. De perdoar .

O perdão é a porta por onde deve-se passar para que cada um possa ser o pai que quer ser.

Sem esteriótipos. Sem modelos.
Podendo apenas ser pai. 

Faremos outros encontros para os pais aqui com o mesmo propósito. Um espaço de trocas e de reconhecimento mútuo da difícil e deliciosa tarefa de crescer como homens com filhos.


segunda-feira, 7 de março de 2016

O Consultório do Pediatra é um espaço seguro para a família crescer


No consultório do Cacá há algum tempo temos tido a oportunidade de fundir as consultas pediátricas com as rodas de conversa. As consultas coletivas tem se mostrado um espaço frutífero para famílias e seus bebês e crianças. Com a mediação carinhosa e atenta do Cacá, as famílias conversam, debatem temas que são comuns e apresentam seus questionamentos individuais.

Para efeito de sinergia entre os membros do grupo, as consultas acontecem por faixa etária. Existem grupos de bebês até 6 meses, até um ano e também para crianças maiores. Nascido de um encontro trivial, recentemente também tivemos o prazer de proporcionar um encontro para casais homoafetivos.

Esse grupo se revelou uma excelente oportunidade de dar voz para as peculiaridades das famílias não convencionais. Esta é a missão do consultório do pediatra: ser um espaço seguro pata todas as famílias crescerem. À figura do pediatra cabe a mediação desse processo, observando suas singularidades e oferecendo apoio através de ciência e humanidade.

Veja o relato de uma das mães participantes:

"Desde que comecei a acalentar o sonho de ser mãe, fui descobrindo a importância de fazer parte de um grupo. Minha companheira e eu passamos por vários, sempre numa intensa troca de informações, dicas, experiências ou, simplesmente, apoio. Quanta coisa descobri sobre o parto, depois amamentação, alimentação, cuidados com o bebê, através de mães passando pelas mesmas dificuldades e surpresas da maternidade. Em alguns momentos, você só espera que alguém te diga que você não está louca, que ser mãe é difícil mesmo e que está tudo bem, você está fazendo o que é certo. Em outros quer compartilhar uma alegria vivida com sua pequena, uma sensação de que ser mãe é a melhor coisa do mundo. Ou dizer que você está simplesmente, cansada. Lá estão as outras mães, cheias de acolhimento e ouvidos atentos. Na última semana, mais um grupo começou a fazer parte da minha vida, um grupo de casais de mães, quem sabe também de pais, no consultório do Cacá. Já tivemos um primeiro encontro, gostoso e muito rico. Mães que passam pelas mesmas questões que nós: além das inerentes à maternidade, as que fazem parte da especificidade de sermos duas. Mãe em dobro, com suas dores e delícias."



Para além das especificidades de saúde de cada criança, a proposta dos grupos é criar espaços seguros e acolhedores para troca de experiência entre pessoas,  As reflexões do indivíduo inserido no coletivo são momentos de crescimento dos núcleos familiares e da sociedade como um todo