segunda-feira, 25 de abril de 2016

Cacá no Estadão



Já receitei o "brincar" em vez de remédio aos meus pacientes, conta pediatra

RITA LISAUSKAS
21/04/2016 | 12h15


Cacá, como é chamado, indica opção para crianças acima do peso, com falta de vitamina D e também às crianças estressadas por excesso de tarefas e compromissos

Carlos Eduardo Correa é pediatra e neonatologista mas não gosta de ser chamado de doutor não, prefere o seu apelido, "Cacá". Acredita que a medicina tem de oferecer um olhar holístico no atendimento de seus pequenos pacientes e suas famílias. Por isso, em vez de remédio, já prescreveu várias vezes o "brincar ao ar livre" para crianças acima do peso, com falta de vitamina D ou àquelas muito estressadas por causa das agendas superlotadas que incluem escola, aulas de reforço de todo tipo e esportes dos mais variados.


Quanto a falta de brincar ao ar livre vira uma questão médica?

Cacá: Quando um bebê aprende a andar e uma criança descobre o correr, ambos têm muita necessidade de experimentar esses movimentos e a sensação de liberdade que vem com eles. Mas, nas cidades grandes, muitas famílias moram em apartamentos, sobrando pouco espaço para as crianças brincarem. Somado a isso há o medo que cerca os pais, deixando o espaço de brincar ainda mais restrito. Umas das preocupações médicas principais quando esse cenário se desenha é com a obesidade infantil que já atinge 15% das crianças brasileiras, segundo o IBGE. As crianças de hoje em dia se alimentam mal e têm uma vida mais sedentária. Outra questão médica que preocupa quando as crianças deixam de brincar ao ar livre é a falta de contato com o sol. Essa exposição, respeitando os horários de pico, claro, é uma necessidade humana, principalmente na infância. Muitas crianças apresentam deficiência de vitamina D porque ficam pouco ao ar livre. Temos apenas dados internacionais sobre a deficiência da vitamina D na infância mas, a partir deles, podemos inferir que seja um problema que também cresce em nosso país, principalmente nas populações urbanas.

A brincadeira pode ser uma boa arma combater a obesidade ou sobrepeso para as crianças? Já chegou a prescrever brincadeiras como "remédio" para alguns pequenos pacientes?

Cacá: Geralmente prescrevo o brincar aos pais. Acho especial essa oportunidade dos pais poderem redescobrir o brincar através de seus filhos. Mas com certeza dar a oportunidade para estas crianças com sobrepeso ou obesas redescobrirem seu corpo e experimentarem novas relações com o brincar é bastante saudável. As atividades físicas quando vêm disfarçadas de brincar, com uma cara leve, sem um viés de disciplina exagerada que alguns professores dão, pode ajudar a esta criança acima do peso a encontrar o prazer em se mexer.

Muitos pais sobrecarregam a agenda de seus filhos com atividades para prepará-los para o futuro e deixam de lado o espaço para o ócio e o tempo para o brincar, como se fossem atividades "menores". Quais os efeitos disso na saúde da criança?

Cacá: Stress não é bom para ninguém. Fico com a sensação de que os pais querem mostrar que disciplina e organização são essenciais em vez de mostrar às crianças que também é bom sentir prazer nas atividades propostas, na descoberta de outras línguas ou esportes. O momento de ócio também é importante! É a oportunidade de ter um momento para elaborar algo que foi aprendido. Fazer nada também é bom e necessário. 

Muitos pais não gostam que as crianças brinquem em parquinhos públicos, ou em pracinhas porque elas se sujam demais. É bom ou ruim que a criança fique imunda depois de uma brincadeira?

Cacá: Na experimentação do andar, do correr e na possibilidade de conhecer o mundo, as crianças se relacionam com a areia, terra, água e com as outras crianças. A sujeira nesse contexto é super natural. No passado não era visto como algo perigoso, por causa de doenças, e nem ruim. Mudamos a forma de olhar com naturalidade para essa linda relação da criança e passamos a ver risco nisso. Eu acredito que se sujar é a consequência de uma necessidade saudável de perceber e experimentar as sensações que estes espaços ao livre permitem.

Vamos falar sobre texturas? Brincando ao ar livre as crianças têm contato com areia, grama, chão duro, chão mole, animais, plantas. Qual o efeito disso na saúde delas?

Cacá: As múltiplas relações sensoriais da criança com o mundo são fundamentais para o seu desenvolvimento. Quanto maiores for a exploração, mais conexões neuronais o cérebro desse pequeno pode fazer e mais rica fica sua percepção do mundo e de si mesmo. Temos discutido muito os problemas causados ao meio ambiente pela sociedade e essa gradual perda de conexão com a natureza. Acredito que poder experimentar areia, terra, água, o chão e conviver com animais é um caminho certo de manter viva esta conexão consigo mesmo e com o mundo ao redor.

E na hora de escolher a escola? Os pais têm que considerar a quantidade e a qualidade a área ao livre do lugar onde vão matricular os filhos?

Cacá: Quando menor a criança, maior sua necessidade de estar ao lar livre para correr e explorar um espaço grande. Geralmente costumo dizer aos pais dos meus pacientes que as crianças pequenas precisam do olhar amoroso do cuidador e de um bom espaço físico. Poder explorar espaços e receber carinho é o principal que podemos oferecer a eles nos primeiros anos de vida. Às vezes nos preocupamos demais com o conteúdo escolar e esquecemos que o mais importante é, na verdade, encontrar um lugar legal e arejado para os nossos filhos.



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Carlos Eduardo Correa é pediatra e neonatologista há 24 anos. Profissional expoente na abordagem humanizada do atendimento para bebês, crianças e suas famílias, é formado pela faculdade de medicina USP - Ribeirão Preto. Carinhosamente conhecido por todos como Cacá, trabalha também como conselheiro e capacitador para Aconselhamento em Amamentação pela Unicef/SES - SP. Desde 2000 é Avaliador da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, pelo Ministério da Saúde. Atuou por 20 anos em prática hospitalar e UTI Neonatal e atualmente se dedica ao atendimento clínico em seu consultório em São Paulo. A tônica de sua atuação como profissional de medicina é oferecer um olhar holístico sobre os pacientes e suas famílias, promovendo espaços de troca de informação e experiência, sempre apoiado na ciência, na cultura e no afeto.


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