terça-feira, 6 de setembro de 2016

A Receita da Família Feliz

A receita da mater-paternidade romantizada:

- pegue um casal apaixonado
- misture com um desejo de ter um filho
- salpique com a expectativa de que essa será a melhor experiência da vida
- jogue numa noite perfeita de amor
- cozinhe adicionando a crença de que esse filho representa o melhor do que há em cada um dos pais
- sirva regado de ilusão de que tudo será perfeito

Já sabemos que esse bolo não cresce!

Romantizar o processo de ser pai e mãe de alguém, como se fosse apenas seguir uma receita de felicidade já descrita nos livros, pode render boas fotos no instagram, mas na prática coloca as pessoas em um estado de frustração e vazio. 

Ter filhos é adicionar ainda mais um ingrediente - completamente instável e quem sabe até desconhecido - à uma comida agridoce para a qual nunca houve, nem nunca haverá, receita: relacionamentos. 

Imagem daqui


A ideia de que somos metades de laranjas procriando para gerar gomos ainda mais saborosos de nós mesmos sustenta uma boa parte dos embates familiares: tentando espremer no outro algo que é melhor para mim, ignoramos a oportunidade de experimentar o néctar do melhor em nós mesmos.E o melhor que ha no outro, que eu desconheço. A necessidade do controle as vezes nos leva a não conviver com o mistério. O inesperado que nem sempre é o idealizado por mim. As vezes melhor, muito melhor!

E a grande receita é a des-receita: os melhores ingredientes para a minha vida familiar são aqueles que eu tenho, do jeito que são, ou aqueles que eu idealizo - mas que de fato não estão na minha prateleira? Quando imagino o seu melhor , este melhor é para você ou para mim ?

A expectativa sobre o outro, sobre aquilo que queríamos que ele fosse, para dar cabo dessa receita que não existe, apaga toda a possibilidade de encontrarmos a melhor versão de nós mesmos. A sua incapacidade de ser o meu melhor, confirma a minha incapacidade ?

Que gosto teria esse bolo se estivéssemos todos doando nossos sabores originais? E mais: se tivéssemos a consciência que, humanos que somos, mudamos o tempo todo sobre aquilo que podemos contribuir? Que tal poder enxergar com mais clareza minhas próprias expectativas ?
O ótimo é inimigo do bom ou o bom é inimigo do ótimo ?

Ora fubá, ora água, ora sal - nenhum de nós estará isento a comer um pouco de caroço no angu. 
E é gostoso assim, podem apostar.