segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Tecnologia Feliz

** Por Paulo Schor ** 

Frequentemente recebo crianças para avaliação no consultório e uma das queixas bem frequentes diz respeito a pouca distância entre a televisão ou o ipad, e os olhos dos pequenos. Sim. esse pode ser um sinal de alta miopia, principalmente se houver real dificuldade de reconhecer objetos a certa distância (mais de 2 metros), mas na maioria das vezes trata-se de um comportamento de "aproximação" do foco de atenção, e não um sinal de doenças nos olhos. Porém o mais difícil não é diagnosticar esse ou aquele aspecto oftalmológico, mas sim explicar aos pais que ficar perto dos monitores não causa mal algum aos olhos. 

Essa não é a resposta e nem o (des)incentivo esperado da maioria dos pais. Nesse cenário a tecnologia entristece e não ajuda os pais a lidarem com a "adição" das crianças aos aparelhos que produzem som e audio. Deve ser clara a distinção entre "fazer mal para a vista" e "não ser adequado para a criança", e nós, oftalmologistas, precisamos fazer parte dessa discussão. 

Imagem: Freepik

Perder oportunidades de socialização e descobertas, com individualização excessiva não parece construtivo para as crianças. Mesmo "não fazendo mal para os olhos", essas atitudes exacerbadas não trazem "o bem". Por outro lado incentivamos a leitura, desenho e atividades lúdicas "para perto", e hoje sabemos que ha uma tendência secular, que vem aumentando ao longo das gerações (e já se fala em passar "de pai para filho"), de uma miopização da população. 

A mudança de hábitos na Coreia do Sul parece explicar um aumento da taxa de míopes de 20 para 80% em algumas gerações, e estudos mostram miopia de quase meio grau (a mais) em crianças que leem mais. O que fazer com essa informação? Evitar a leitura para perto e colocar óculos bifocais nas crianças? Alguns estudos mostram que essas medidas restringem o crescimento ocular, mas a que custo e em que medida isso se da? Vale a pena tal "sacrifício"? Lidar com a tecnologia de modo "neutro" e ter as informações corretas é o primeiro passo para não exagerar seu uso e nem demonizar seus malefícios. A ciência continua nos mostrando fatos, e cabe a sociedade fazer o melhor uso possível deles. O equilíbrio ainda parece ser o melhor remédio.

Me chamo Paulo Schor, estudei na classe do caca na USP de ribeirão preto. Sou pai da já crescida Marina e agora a Luiza cresce. Hoje estou como professor chefe do departamento de oftalmologia da escola paulista de medicina da Unifesp.