quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Amamentação: Precisamos falar de prazer

Quando observamos a Amamentação sob a luz da ciência nos deparamos com impressionantes dados sobre a superioridade nutricional do leite materno, sobre o favorecimento do desenvolvimento cognitivo do bebê amamentado, sobre os benefícios para a saúde da mãe e todo o rol de proteção e prevenção também para a saúde do bebê.

As descobertas acerca da composição do leite, processos fisiológicos de sua produção, tipos de leite perfeitamente elaborados para cada situação de cada bebê são surpreendentes. É tecnologia de ponta, essa coisa de amamentar. 

Tanto que não há fórmula no mundo que chegue perto dessa qualidade, por mais avançada que seja a indústria. E sobre isso, todos nós lactivistas, nunca iremos discordar. As campanhas dos órgãos públicos ficam focados em difundir este conceito : Benefícios do aleitamento para a mãe, o bebe e a sociedade !

Mas temos observado que quando as discussões sobre amamentação são encabeçadas pela "superioridade do leite" e outros tantos benefícios, perdemos a chance de debater, e em especial de VIVER, aspectos humanos desse processo, transformando o ato de amamentar em uma meta a ser atingida e o próprio leite em um produto. "A escolha pelo melhor". 

Mas quem irá praticar este aleitamento ? Conhecemos as necessidades desta produtora de leite materno? Sequer ela existe? Tem medos, fantasias ou uma historia de vida? Estamos interessados em conhecer esta mulher?

Ilustração por Paulien Maria
Tratar esta questão de aleitamento na forma de que é o melhor para todos, faz de nós consumidores, apenas. Não estamos falando de indivíduos e das possibilidades de encontro entre um bebê e sua mãe. Não estamos falando da vida humana pulsante que queremos e acreditamos ver num recém nascido e numa mulher que acaba de se descobrir mãe. É bastante possível que ela conheça todos estes benefícios de amamentar, mas será que ela confia na sua capacidade e está em condições de viver com potência este papel?

Amamentação sob a luz da humanidade é acima de tudo um lugar no tempo-espaço de descoberta ou continuidade de PRAZER para os dois principais envolvidos, mãe e bebê. Nunca deveria ser "vendido"como obrigação, como uma necessidade extrema. Quando conseguimos olhar para este tema como uma oportunidade de encontro mútuo, como uma possibilidade de viver uma experiencia de prazer entre a mulher e seu bebê, poderemos melhor ajuda-la a conseguir superar as imensas dificuldades que irão aparecer durante esta jornada.

Muita coisa contribui para a amamentação não acontecer. Tem muito para não dar certo. mas enquanto sobrecarregarmos as mulheres com mais esta obrigação, tarefa, função, mais distantes estamos de atingir um lugar aonde mãe e bebê vivam com prazer e alegria este encontro tao especial e mágico.

Precisamos repensar a forma de falar sobre aleitamento materno !
Precisamos falar desse encontro e de prazer!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Classismo e comida de verdade

Todo mundo que quiser participar de um debate precisa ter a habilidade de transitar entre verdades individuais e verdades coletivas. Entre a nossa casa e o mundo. E em cima disso, reconhecer que é possível que várias verdades caibam em um só lugar. Individualmente vivemos embates a cerca de possíveis verdades. Imaginem quantas possibilidades surgem num debate.

A alimentação é um tema sensível dentro da mater-paternidade contemporâneas . Desde que a Bela Gil deu voz a uma reflexão antiga que trata da importância da comida de verdade, estamos vendo uma escalada desse assunto e com ele uma suposta polêmica: comer bem é um privilégio? Comida de verdade é classista? Inúmeros famosos pela arte de cozinhar ou simplesmente por serem famosos povoam os canais de televisão divulgando alguma marca verdadeiramente melhor e mais saudável. O que seria a comida de verdade? Ela é definida pelo poder de compra e portanto pela classe social do consumidor ?

Oras mas é claro que sim. Vamos exercer nossa habilidade de viajar pela amplitude e compreender que talvez na nossa mesa não seja lá um grande desafio substituir a feijoada em lata pelo feijão jalo banhado por 24h e cozido com sal do himalaia. Mas vivemos em um mundo onde pessoas morrem de fome, correto? Comer, em si é um privilégio. Comer bem então... 


No entanto essa reflexão não precisa ser usada para atacar qualquer um que tenha como objetivo ou vontade a alimentação sadia. Dar um novo significado ao prazer de comer repensando a cultura alimentar da própria família, principalmente quando nascem os filhos pode ser muito rico.

A quem serve problematizar a prática da comida de verdade a ponto de "validar" a comida enlatada na mesa de pessoas que, como nós, teriam toda a possibilidade de fazer uma escolha melhor apenas baseado em 1) informação 2) vontade? A quem interessa apresentar uma profissional da TV como dona de casa preocupada em descongelar a comida pre-preparada mais adequada como se ela fosse consumidora deste tipo de alimento?

É certo de que o efeito colateral de criticar a alimentação infantil baseada na chia orgânica (que convenhamos, merece sim alguma crítica) pode ser favorecer o outro lado do pêndulo. E talvez seja essa a tônica desse debate: como refletir e melhorar nosso conhecimento individual sobre isso de modo a não prejudicar conquistas da sociedade? Nossa casa, nosso mundo? Compreendemos que o que comemos e como comemos é o aspecto cultural que mais nos define ?

A indústria de alimentos ultra processados vem perdendo espaço para essa ampliação de consciência e anda sedenta exatamente por esse tipo de embate: é muito interessante para a indústria que estejamos com raiva da colega do lado porque ela dá conta, quer, escolhe, ama, pode, prefere uma comida toda trabalhada na saúde enquanto por nossas próprias condições e peculiaridades andamos escolhendo "o que dá". 

Trago um exemplo do universo vegano. A acusação de que o Veganismo é elitista - porque supostamente substitui alimentos de origem animal por alimentos processados ou mais raros, e portanto caros, como os cogumelos sei-lá-o-que ou o hambúrguer de soja - é bastante plausível. De fato, o acesso à produtos veganos é de um privilégio sem fim, em um mundo (novamente, para a gente não se acostumar com esse absurdo) em que crianças morrem de fome. No mesmo tempo essa crítica é equivocada que só ela, e parte de um lugar de algum desconhecimento da prática. Primeiro porque a vida vegana é extremamente acessível e é a falta de informação que faz as pessoas acreditarem que precisarão trocar a linguiça de porco pela linguiça de soja. Não é exatamente essa a proposta. Além disso, no grande espectro, o Veganismo é um fator de economia sem precedentes. Porque invoca uma utilização absolutamente sustentável da natureza. Portanto uma crítica rápida como "Veganismo é classista" acerta em cheio em um panorama e é completamente errada em outro. 

Duas verdades no mesmo lugar.
Nao podemos esquecer que os altos preços praticados quando se retira um elemento como lactose, glúten, ou mesmo a carne levam a uma confirmação de que é para poucos comer sem isso ou aquilo.

Concluindo: alimentação saudável é classista sim. Precisamos tomar um cuidado enorme para que não se aumente essa distância entre aquele que come quando tem e aquele que pode optar por não comer. Mas ainda assim é de suma importância que comer bem esteja na pauta e que as pessoas que levam essas reflexões para frente possam atuar com liberdade, possibilizando informação. 

O contrário disso, não nos favorece, nem em casa nem no mundo.