quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

"Tenho alergia a drama"

**Por Anne Rammi**

Sabe o que acontece quando você é amiga do pediatra dos seus filhos, e ele, mais do que zelar pela saúde da criança, zela pelo coração e mentes da família toda? Você comenta numa postagem de uma amiga em comum e ele aparece serenamente na sua mensagem dizendo: vamos desenvolver esse tema?

A alérgica a drama sou eu. Mãe de três, pessoa adulta e, para tornar esse desenvolvimento um pouco mais fácil, pessoa de capricórnio (sim, eu vou começar culpando o meu signo para falar desse assunto espinhento que é o turbilhão emocional ao qual estamos constantemente expostos quando criamos e educamos crianças pequenas - e me parece que as grandes também e os adolescentes, deus nos ajude! -  e quem sabe, pessoas de áries, sagitário, escorpião e um monte de lua em câncer).

Cabe contar que desde que eu tive meu primeiro filho, me enveredei pelas práticas mais humanizadas de criação. Sempre gostei de um chamego intenso, muito colo, muito peito (suspiros em homenagem). E sempre me permiti, apesar da minha casca grossa, estar nesse lugar emocional, meio que sem me preocupar com qualquer conseqüência, boa ou ruim.

Acontece que a vivência da maternidade tem me levado a tirar conclusões interessantes sobre a tal "criação com apego" ou seja lá qual for o nome para essa tendência que vivemos no nosso micro-universo (que devo registrar aqui, um universo de privilegiados) de estar em plena fusão de emoções. E sei lá, ou a gente anda fazendo isso muito errado, ou o apego tem mesmo um prazo de validade.

Serei sincera: há um limite em mim de acolher qualquer tipo de emoção alheia, e ele está diretamente ligado ao tamanho dos meus bebês. Vou chutar que deve ser em quilos. Eu aguento drama forte até uns 12/ 15kg. Começou a passar disso, me empipocam as alergias. E há dramas que eu não consigo lidar.

Claro que essa é uma metáfora para falar do que preciso aqui: estou conhecendo o meu limite, como mãe e gente, para dar conta do que é minha emoção e do que é a deles e quais são os assuntos onde devo me meter e onde não devo. Quando serei a mãe do Caillou e quando serei a mãe do Charlie Brown. 

Um bebê inconsolável que está totalmente frustrado porque eu tirei o garfo que ele enfiava na tomada encontrou em mim um porto de conforto. Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora, mamãe sabe que você queria muito, mas realmente não será possível. Quer mamar? Olha esse outro brinquedo? Vamos invocar a Margarita Valência e criar umas barreiras físicas para essas tomadas. Totalmente Mary Poppins.

Agora uma mini pessoa que já pode limpar a bunda sozinho entra numa disputa de horas de choro ardido e sem lágrimas, por um pedaço do resto do adesivo que descolou da parede velha, com a outra criatura que já calça quase trinta e tem chulé... Caramba, minhas colegas, será que foi o excesso de colo? São mimadas essas criaturas? Vamos jogar essa tralha no lixo? Precisam mesmo da minha ajuda para resolver esse tipo de dilema? Vai logo minha gente, argh! Às vezes baixa a diretora da escola da Matilda.

Os grandes estudiosos da educação levantarão teorias sobre os pedidos deslocados "há alguma coisa incomodando, é preciso saber ler o que está por trás". "O objeto é a extensão da criança" e não importa que seja um bagulho catado no lixo, se é importante para ele, deve ser tratado com respeito. "Os adultos precisam estar centrados para não despejar sua frustração nas crianças". E todas as sugestões de psicoterapia, vai fazer yoga, consuma alimentos macrobióticos, aceita jesus e outras indicações de vida-zen (que eu finjo não escutar, porque... né? aqui é punk-rock-anarquia)

Ok, eu concordo com os estudiosos, eles são ótimos e devem ter ficado muito tempo lendo e escrevendo seus livros enquanto alguém arrumava espaço emocional para lidar com os mais variados dramas, como "ele pegou o azul que tem bolinhas e minha cor favorita é o rosa então eu preciso desse e ele falou semana passada que meu cabelo era feio porque a pulseira do pokemon sumiu".


via GIPHY (eu quando começa o drama)

O que seria da teoria sem a prática não é mesmo? 

Quando os dramalhões dessa estirpe acontecem eu vejo um claro limite no meio do meu peito, uma agonia de não dar conta dessa intensidade, é tão nítido que eu não tenho espaço para lidar com aquele drama, que me baixa a criação com desapego: olhar fuzilante, cara de desprezo para o pedaço de resto de adesivo, e de vez em quando um sermão ao estilo anos oitenta: VOCÊS VÃO PARAR OU QUEREM QUE EU PARE!??

Dentro dessa ótica, de descobrir limites, tento manter a minha consciência clara: não endosso violência física, mas sou humana também nessa relação. Se o drama me faz mal, eu tento me afastar dele. A consciência do limite - meu e do que eu acredito ser certo - é o que segura a forte emoção de apelar paras as estratégias mais eficientes, incríveis, terapêuticas duvidosas como: ENGOLE ESSE CHORO! ME DÁ AQUI ESSA PORCARIA DUAS SEMANAS SEM TEVÊ! e coisas do tipo.

Longe de mim dar dicas, mas eu peço com recorrência que se acalmem, tomem uma água e tentem falar comigo sem miar. "Mamãe não entende nada quando você fala desse jeito, melhor me explicar sem chorar para ver o que eu posso fazer". Firme e gentil, enquanto por dentro eu me vejo arranhando minha própria cara "para, para, para de miar, fala direito peloamordedeus!! onde foi que eu errei!!!"

Outra coisa que tenho percebido é que mandar resolver sozinho, acaba resolvendo mesmo. Demora mais tempo e às vezes são soluções tortas (tipo, um soco na cara do irmão e pronto! peguei o que eu queria, resolvido!). Mas poxa vida camarada, eu mesma não sei resolver todos os meus problemas com maestria, deveria esperar que eles soubessem? 

A última coisa que quero deixar registrado é que, apesar da minha consciência de limites quanto às minhas atitudes, eu escorrego direto para as emoções e estratégias eficientes, incríveis, terapêuticas duvidosas. Gente do céu, o mais velho tem sete anos, eu já devo ter gritado uns dois mil decibéis somados! Também não ignoro as minhas próprias falhas, vou lá e peço desculpas. Fazer o que né? Às vezes, imediatamente depois do meu xilique: "errei galera, perdi completamente a paciência, vocês sabem que a mamãe não reage bem a esses dramas. Vou tentar ser mais gentil, mas por favor, colaborem vocês também."

E sigo eu a tentar me acalmar, também, a regra tem que valer para todos. Bebo uma água, desapego do que não parece importante e tento resolver comigo mesma, sem causar mais drama. Afinal, tenho alergia!