sábado, 12 de agosto de 2017

Os homens que eu amo e que eu amei

Eu era uma vez uma criança. Acho que gentil e delicada criança. Hora hostil e raivosa criança. Cabiam em mim muitas crianças que eu podia ser. Uma vez meu pai brigou com meu brother e eu meti um chute de botinha certeiro na sua canela. Coisa de criança eu acho. Coisas que meu pai já merecia !

Depois o tempo passou e eu não era mais aquele menino. De alguma forma a dúvida e os medos começaram a povoar os meus pensamentos. Me lembro dos sonhos terríveis e cruéis que começaram a vir, bem num tempo que meu pai resolveu ir embora e que a minha mãe começou a chorar e nunca mais parava. Nesse tempo eu nem sei quem eu era mais. Tentava ser criança, mas não havia mais lugar para mim.

Apareceu meu avô,  que era um homem forte e brincalhão e completamente descompromissado com minha história. Talvez descompromissado com a própria historia. Vivia e pregava liberdade, uma liberdade que eu nunca poderia viver e entender naquele tempo. Me lembro do sorriso largo e farto que não fartava a minha falta de amor.

Meus dois primeiros amores homens. Um que se foi e outro que não ficava. Acho que a primeira lição sobre o mundo masculino foi essa: vínculos fortes não fazem parte desse universo do ser homem! Ou se vincular é possível com uma imagem e não com uma pessoa.Tudo vivido como se nada tem que ser para sempre, alias sempre sempre acaba....

Uma história de amor maldito, mal vivido, desconfiado ou proibido. Amores impossíveis que eu tenho em mim. Moram numa parte em mim difícil, que mais nego e convivo, que aceito. Memórias gostosas de se ter sozinho. Escondido. Pensando em amor pelo pai ausente, pelo avô machista, pelos amigos que tive e que não pude dizer: -  Eu te amo.

Tinha um outro amor. Meu irmão. Meu irmão mais velho. Minha única e especial referência do que é ser homem. Meu único possível herói.

Dos lugares que vivi um afago , um quase gesto. Um gesto de carinho. Uma ternura e talvez uma sensação de amor, na presença deste amor e na necessidade de negá-lo. Gestos de carinho entre pai e filho, na experiência do que mais se aproximou de um gesto de amor, desconstruído por uma realidade de abandono. Tudo difícil e verdadeiro assim.

Lições de vida sobre o ser homem que ficaram maiores que as de ser pai. Tenho lembranças muito gostosas do meu pai presente e com sua ausência só consigo lembrar de um imenso vazio e de não ter pai, como duas pessoas que existem e são possíveis  em mim.

Além de não ter aprendido de fato a me cuidar, tendo a impressão que este cuidado do meu corpo, das minhas roupas, do que pertence a outros, cuidar do outro pode ser uma ameaça a minha masculinidade. Existo na impossível presença de um amor entre dois homens.No masculino só posso viver em ausência.

Fui fundo em investigar em mim uma masculinidade desaparecida. Uma masculinidade solitária que vive no talvez. No acontece pois faz parte da vida. No escuro lugar da falta de vínculo. De uma moral que só pode ser machista. Que nasce da desconsideração da necessidade do outro. Se eu não posso viver o amor , eu não posso falar sobre o meu amor por ninguém. Isso me põe em risco, e me da raiva e alimenta um lugar frio em mim e o ciclo do masculino se fecha e se termina em mim. Num imenso vazio frio.

Encontro no máximo solidariedade, nada de empatia ou coisa assim.Vida de companheirismo e nada de irmandade ou qualquer proximidade perigosa que nos exponha a ausência presente de um nada pai.

Meu aprisionamento nas próprias dores da construção de um adulto sem referências sobre o masculino. Vou ter que viver um masculino nada aprendido em casa. Entendo muitos homens/pais nesse lugar vazio de afeto. Procuro compreender que o masculino nos foi negado e merece ser curado em muitos de nós. Difícil saber que eu mereço amor. Que eu tenho amor.

Amorosidade e sexualidade se misturam no imaginário comum e se proíbem coexistir nas relações entre os homens nas populações dominadas por um olhar machista.

Cresci sem sequer refletir e conhecer o masculino em mim, que no máximo vinha com cara de privilégio por ser homem branco e que de fato nunca me ajudou a significar quem eu sou.
Assim como a maioria de nós meninos, adolescentes e homens assistimos o tempo passar.

De repente a surpresa.
Nasceu José!



Tive que olhar para esse lugar em mim. Não sei contar como vivi até o seu nascimento, mas algo parecido como um espectro e não como uma pessoa. Um masculino espelhado e não encarnado. Uma possibilidade e nunca uma verdade. Nasce a necessidade em mim de habitar um novo lugar, ao qual não pertenço. Mas não acho justo que o Jose tenha essa mesma historia para contar.

Me cobro muito uma cobrança que não conheço bem. Sei que ele merece amor e carinho, mas não sei o quanto posso dar. Me pego menino quando ele me empurra e diz "você não". Confirma um medo em mim de não ser capaz ou sequer necessário. Mas aí ele dorme comigo e eu sou herói outra vez. Trocar fraldas, ou banhos juntos, ou simplesmente um abraço e de repente sou todo potência. É um vai-vem de posso / talvez / não posso. Continuo procurando a paz.

Não sei se já me percebo em um novo lugar. Acho que começamos a descobrir várias paternidades e masculinidades na presença e não mais na ausência. Isso já é muito avanço. Não me sinto confortável em ditar regras do modo "Bom Pai"como jamais quis dizer a uma mulher como é a "Boa Mãe".Chega de clichês desfigurados de qualquer verdade que seja.

Mas sugiro que os homens possam se arriscar a conhecer em si outras possíveis paternidades e masculinidades, já que o esteriótipo anterior já não nos serve mais.Talvez nunca tenha servido. Só serviu a ausência e ao abandono que não quero viver mais.
Sem regras, mas com infinitas possibilidades.
Nasce um filho e se torna possível nascer um pai !